Da apresentação:
O trabalho foi apresentado em sala de aula, no dia 17 de outubro de 2007. Os apresentadores homens vestiram roupas e acessórios do gênero teoricamente “feminino”, enquanto a apresentadora mulher vestiu roupas e acessórios condizentes ao padrão “masculino heterossexual”. Ver foto.
Chegando à sala da apresentação, os alunos participantes encontraram uma grande mesa com inúmeros acessórios condizentes padrões de diferentes gêneros (carrinhos de briquedo, plumas, vestidos, bolas de futebol, etc). Os participantes eram orientados pelos apresentadores a sentirem-se a vontade e apanharem os acessórios que desejassem. É interessante comentar que em torno de 90% dos participantes travestiram-se com os acessórios da mesa.
Prosseguindo a dinâmica, colocou-se a música Amor e Sexo como som ambiente e pediu-se que os participantes trocassem, entre si, demonstrações de afeto. Ao fim da música começou a apresentação de slides.
Do conteúdo explícito:
Através deste trabalho, visamos discutir as formas de saber da sociedade e dos indivíduos acerca da sexualidade, a partir do texto “Sexualidade e Poder”, de Michel Focault (2004). Segundo o autor, a noção de sexualidade em nossa sociedade está vinculada a um fenômeno cultural chamado por ele de Supersaber, no qual o saber científico e normativo se sobrepõe a um saber pessoal e experiencial. Para Foucault, mesmo Freud, que marcou no século XIX uma revolução na noção de sexualidade, destacava o desconhecimento do indivíduo sobre o seu desejo. A questão central do texto é justamente investigar de que forma ocorre em nossa sociedade essa produção de teorias sexuais que constituem uma verdade absoluta, mais importante do que a de qualquer indivíduo. Certamente essa “verdade absoluta” carrega consigo diversas noções de padrões morais que acarretam atitudes de preconceito e alienação do sujeito.
Ainda no texto citado, Focault faz um breve relato da história da sexualidade ocidental, dividindo-a em três momentos marcantes: Antigüidade Grega e Romana; Cristianismo e Sociedade Burguesa, e séc. XIX, a partir das idéias de Freud. Diferenciando-se da sociedade ocidental, as sociedades orientais sempre tiveram como objetivo do saber sexual a intensificação do prazer, enquanto as do ocidente seguiram cada vez mais idéias moralistas e de investigação científica (saúde, etc.).
A época descrita por Focault como Antigüidade Grega e Romana seria o momento de maior liberdade, no qual a sexualidade nem mesmo “existia” enquanto conceito separado da vida comum, sendo tratada como mais um dos aspectos do homem. Jurandir Costa retrata muito bem esse quadro em seu artigo “Os gregos antigos e o prazer homoerótico” (1994): “Na Grécia Antiga não existiam palavras para designar o que chamamos de ‘Homossexualidade’ ou ‘Heterossexualidade’ porque simplesmente não existia a idéia de sexualidade”. Como exemplo, veja a Ilha de Pompéia.
Segundo Focault, a idéia de que o cristianismo teria iniciado uma moral sexual monogâmica, com desqualificação do prazer e função unicamente reprodutiva é errônea já que estes princípios já estavam instalados na sociedade romana pré-cristã. O que a religião cristã trouxe foram novas técnicas de repressão e controle dessa moral sexual. Os mecanismos de poder se modificaram bastante com o Cristianismo, já que estavam nascendo novas idéias de sociedade. Por exemplo, no Império Romano qualquer atividade realizada por cidadãos estava relacionada à ‘polis’, palavra da qual deriva o termo ‘política’, ou seja, toda atividade era política. O Cristianismo traz com seus dogmas a idéia do Pastor como provedor do seu “rebanho”, exigindo assim obediência absoluta. Ao mesmo tempo havia uma obrigação individual de buscar a salvação e o conhecimento interior, vigiando constantemente seus pensamentos “impuros”.
A partir do séc.XIX, com as teorias de Freud surgem outras abordagens mais explícitas sobre a sexualidade. “O menino, do qual dominam principalmente as excitações do pênis, costuma obter esse prazer estimulando o órgão com a mão. Seu pai e sua ama o surpreenderam nesse ato e o intimidam com a ameaça de cortar-lhe o pênis”, Freud (1908) – esse trecho de “Teorias Sexuais Infantis” ilustra a quebra do paradigma cristão, que apesar de pregar seus princípios de moral sexual, seguia uma lógica de Supersapiência.
Na sociedade atual, encontramos diversas formas de repressão sexual, como a Igreja contra o uso da camisinha, o machismo, a maneira com que a sexualidade é tratada com as crianças, a questão da sexualidade na velhice, entre outros. Tais mecanismos acabam gerando preconceito e discriminação. A conceituação de sexo, gênero e sexualidade surge como foco de discussão dentro dessas questões políticas.
No seu artigo, “Corpos que escapam” (2003), Guacira Lopes Louro trata da questão do travesti e do corpo como formação cultural; “os corpos somente são o que são na cultura. Sendo assim os significados de suas marcas não apenas deslizam e escapam, mas também são múltiplos e mutantes”. O grupo entende que, sendo uma formação cultural e ao mesmo tempo individual, é preciso quebrar preconceitos e verdades absolutas pré-estabelecidas sobre o assunto da sexualidade e por isso propôs à turma o exercício de vestir-se com acessórios e roupas entendidas como femininas e masculinas da maneira que cada um gosta e se sente bem. Essa brincadeira serviu para vermos como não gostamos sempre das mesmas coisas e também para questionarmos os limites sociais e morais de gênero e opção sexual. Segundo Guacira, “A drag repete e exagera, se aproxima, legitima e, ao mesmo tempo, subverte o sujeito que copia”. Conforme acentuam teóricas e teóricas, tal paródia — característica da pós-modernidade — não significa a imitação ridicularizadora, mas sim uma “repetição com distância crítica que permite a indicação irônica da diferença no próprio âmago da semelhança” – foi essa idéia, de imitar para refletir, que procuramos explorar na dinâmica.
Vale citar a atuação de um psicólogo e psicanalista no âmbito da sexualidade, e seus esforços para que uma revolução sexual eclodisse: Wilhelm Reich. Filiado ao Partido Comunista, antes do início da Segunda Guerra Mundial, Reich buscava identificar aspectos comuns entre fascistas e socialistas, unindo-as através de um único movimento: o Movimento Político Sexual.
Com milhares de membros, a entidade publicou livros de educação sexual para mães, crianças e adolescentes, todos baseados nos objetivos principais do movimento. Reich não conseguiu mudar a sociedade do jeito que queria, e morreu antes de presenciar uma outra revolução sexual, que, segundo David Boadella, seria incongruente com os princípios do psicólogo e psicanalista: “A revolução permissiva é mais um fenômeno quantitativo do que qualitativo. Ao lado de muitas coisas boas no cenário considerado, e que Reich teria aprovado, há outras que eram a antítese do que ele entendia por liberação genuína. A ênfase corriqueira na pornografia, no senso de glorificação de muitos dos elementos perversos, infantis e destrutivos da sexualidade “reprimida mas não liberada”, corre o risco de abafar a tomada de consciência mais tranqüila de atitudes mais abertas e saudáveis. As celebrações orgásticas e a abordagem “fria” ameaçam e minam a nova liberdade descoberta que possibilita construir e quebrar relações sexuais duradouras sem os conflitos econômicos e culturais e as pressões decorrentes de casamentos recentes ou compulsivos.” (Boadella, 1985).
Referências:
Boadella, D. (1985). Nos Caminhos de Reich. São Paulo: Editora Summus.
Costa, J. F. (1994). Os gregos antigos e o prazer homoerótico. Em Ética e o Espelho da Cultura. Rio de Janeiro: Rocco.
Foucault, M. (2004 [1978]). Sexualidade e Poder. Em Ética, Sexualidade , Política: Coleção Ditos & Escritos. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Freud, S. (1976 [1908]). Sobre as Teorias Sexuais das Crianças. Em Edição Standard das Obras Psicológicas Completas. Vol. IX. Rio de janeiro: Imago.
Louro, G. L. (2003). Corpos que escapam. Estudos feministas: volume 04. Brasília/Montreal/Paris: Labrys
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